Saturday, November 25, 2006

Upa neguinho na estrada...

"Um impressionante jardim oriental com pagodes chineses e enormes estátuas de Buda está a nascer na Quinta dos Loridos, no Bombarral."
Foi com esta mentira insólita que o Pedro nos deu a volta para andarmos a carregar móveis para cima e para baixo, tanto geografica como verticalmente.
Os budas gigantes nunca os vimos, por causa do escuro, desculpou-se ele. Para todos os efeitos, continuo a não acreditar que existam budas de muitos metros de altura lá numa quinta para os lados de Bombarral. Aliás, é escusado mandares ficheiros para o meu e-mail, que não os consigo abrir.
Ah, e tal, porque foi o Joe Berardo que veio com esta ideia...
Antes de partirmos para a Vermelha, um Buda teria o tamanho de um poste de electricidade. Na vinda, já pelas 11 da noite, um buda já atingia quase a altura de um motor de energia eólica.
Grande Pedro, substituiu os gigantes por budas enormes e os moinhos por ventoínhas de energia eólica: uma mentira quixotesca, portanto.
Não precisava de nada disso, porém. É muito bom sentirmo-nos úteis sem relações contratuais à mistura. Sobretudo quando é para contribuir para o projecto de um grande amigo.
Gostei daqueles momentos de serena cumplicidade quotidiana, carrega-se, não se leva, é para ficar, etc.
Gostei da paz que inspira a casa dos avós do Pedro, ou, melhor dizendo, os avós do Pedro. Da comovente intenção de construir uma casa grande para receber a família. Pena o destino solitário do velho casal.
Ah, e a carrinha de três lugares à frente, para nós, oportunamente munida da cassete que gravei só com músicas de MPB, quando tinha os meus dezoito aninhos...
"upa neguinho na estrada,
upa pra lá e pra cá..."
PS
Deixo-te uma foto de um Buda da Quinta dos Loridos, mas concerteza que não deve ter mais de meio metro.





Friday, November 24, 2006

Cada Voz Voando à Vez



Ele há dias em que mesmo um almadense se cansa da vida mundana, da sweat-shirt e do kispo. Aí, então, há que vestir com aprumo a camisa imaculada de smoking, ajustar diligentemente o laço nos colarinhos branquíssimos, apertar com zelo os atacadores dos sapatos bem pretos...
E depois, mais além das entradas a tempo, dos crescendos bem executados, do bemol que não pode sair naturol (:P), vislumbra-se um pouco do paraíso, cada voz voando à vez, levada em mãos pelas outras, como que nelas flutuando, sorrindo de olhos fechados...

Monday, November 20, 2006

Penalização do aborto: para os que acreditam mesmo...

Aqui publico o comentário que deixei no blogue do Tiago (www.tiagoinlondon.blogspot.com), escrito a pensar nele e noutros que crêem como ele. São simples pensamentos, não falam do que acontece mesmo por este nosso país, todos os dias. Para decidir em consciência era preciso ir ver as coisas. Em última instância, passar por elas.
Mas aqui fica:
«Tiago!
Creio que um bom passo para nos começarmos a entender nesta questão seria admitires que antes - até pode ser mto antes - das 10 ou 12 semanas - a vida humana começa por ser precisamente um conjunto de células. (Não é um conjunto de células qualquer, naturalmente, é o conjunto de células que inicia a vida humana!) Depois seria interessante olhar as coisas também de outro ponto de vista. Que valores defende REALMENTE quem defende a vida humana TAMBÉM no seu início mais incipiente? Que outros valores subalterniza, quando defende aqueles seus até tão recuado momento?
Da propaganda pró-vida resulta claramente a resposta à primeira questão: defende-se o valor da própria vida humana: é uma coisa que vale por si. É sagrada.Em resposta à segunda questão: nos casos de que falamos defende-se o valor da vida humana desde o seu pequenino começo, a despeito de outros valores que possam estar envolvidos: a tal maternidade consciente e desejada, a tal qualidade de vida que se pode proporcionar, o tal controlo do seu corpo pela mulher, etc.
Para mim, é aqui que está o busílis.
Porque é que nas situações de aborto que vão agora a referendo a supremacia do embrião existe logo desde o início?
1. Uma primeira hipótese seria demasiado simples: é uma hierarquia de valores. Far-se-ia da pergunta a resposta: uma mulher não pode fazer valer o seu enorme interesse de só ter uma maternidade desejada e em condições, porque é o começo da vida humana que está em causa. Não acredito que isto seja verdade na tua cabeça nem noutras pró-vida que conheço. Sabendo que prezas tanto uma maternidade desejada e em condições, é-me difícil acreditar que a subalternizes ao primeiro início da vida humana. Não o farias, creio eu, no caso de uma fecundação in vitro indesejada e sem conhecimento da mulher (um caso meramente académico, mas com um certo interesse). Tendo isto em conta, reformule-se o teu argumento de modo a que seja mais parecido com aquilo que eu acho que é:
2. Está em causa o valor da vida, e acresce que foi a própria mulher (e o homem) co-responsável pela colisão / incompatibilidade entre a vida do embrião e o seu interesse de só ter uma maternidade desejada, em condições, etc. Creio que esta razão está sempre bastante presente. Ela resulta muito do senso comum. Num qualquer caso de conflito de direitos ou interesses entre duas pessoas, devem os interesses da pessoa que, eventualmente, lhe deu causa, ser penalizados, consoante o seu grau de responsabilidade (ainda que, num caso extremo, possam prevalecer sobre os da outra pessoa não responsável pela colisão).Esmiucemos este argumento: ele é válido para ti, mesmo nos casos em que a mulher fez um uso zeloso de contraceptivos, ou seja, nos casos em que a sua responsabilidade em termos de intenção ou previsibilidade seria a menor possível.Mas há outra maneira de se ser considerado responsável pela colisão, mesmo quando se tomou medidas de precaução e o risco era mínimo. Basta considerar que o comportamento arriscado tem pouca ou nenhuma justificação. Se for ainda por cima censurável, como prevê a Igreja, mais certa é a responsabilidade e mais forte a necessidade de penalizar aquele que ocasionou a colisão de direitos. É que, na verdade, o comportamento de que falamos é tão só o sexo só pelo sexo. E sabemos bem o que a Igreja acha disso.
3. Outro dos motivos camuflados que parece estar na origem de tão extremada posição parece ter que ver com a necessidade de orientação e a aplicabilidade das regras de comportamento. Lei que se preze, que se queira emanada de autoridade divina, não deve começar na 2.ª ou 3.ª semana. Lei que se preze tem que parecer emanada das próprias coisas. Se há ali uma descontinuidade na matéria que permite dizer que o momento da fecundação é o começo, então ali tem de começar também a lei e a regra. Caso contrário fica mais difícil dizer que a lei deriva da natureza das coisas ou de Deus e não surge da cabecinha de pessoas a pensar e a sentir o mundo. É uma desorientação tramada. Pensar é tramado.
Abço,
R.»

"Nós estávamos ali por causa do chope, não é?"



Fui ver o documentário / filme "Vinicius". Ainda ensaiei escrever um pouco sobre este contacto com a vida desses dois mitos, já antigos para mim: o Tom e o Vinicius. Felizmente - porque poupei trabalho - naveguei um pouco pela Internet e descobri umas palavras do Tom Jobim sobre a Garota de Ipanema. Acho que resumem tudo:

«Garota de Ipanema também tem uma coisa universal. Um americano disse que o sentimento da Garota passa. O sujeito está lá trabalhando, furando a rua, quebrando pedreira, e dá uma espiada. Esse é um sentimento universal. O cara pára de tomar o chope e olha para a garota, não é? É claro que quando a gente fez não pensou em nada disso. A gente só via a garota passar. O Vinicius era casado, eu era casado, a garota que passava por ali era muito jovem. Nós, como homens casados, não podíamos nos aproximar muito. Ela também certamente queria fugir desse assédio, de homens notoriamente casados e com filhos. Não tinha idade para ter liberdade. Nem cantávamos para ela quando passava. Primeiro, porque não podia tocar violão no botequim. O português proibiu logo, porque violão dá briga. Nossa atitude era bem discreta. Inclusive a garota era filha de um general do SNI, mas nós não sabíamos disso. Nós estávamos ali por causa do chope, não é? Eu pedi ao Vinicius uma letra e ele fez a letra. A gente não achou muito boa, ele fez outra letra. A que ficou foi a terceira letra.»

Parece que um, querendo cantar a música, escreveu o poema; e o outro, querendo dizer o poema, fez a música.
Mas isso não interessa agora.
O que interessa é que a tristeza deles é a mesma que a nossa:
Porque afinal eles estavam ali por causa do chope, não é??